27/04/2010

Agora eu me reconheço.

Há dias eu acordo e me reconheço.
Nesse reconhecimento acolhedor, reconheço também uma outra figura. Essa figura carregava uma mala, que embora bonita e pomposa fosse, suas rodinhas já estavam gastas e arrastá-la era um tormento. Seu conteúdo, quase todo, desnecessário. Havia um livro pesado, com uma estória já bastante lida e relida. Fotografias, tão lindas, mas que já haviam desbotado quase a ponto de se apagar. Um frasco de perfume também acabado, que nem era preciso abrir para sentir o aroma, bastava fechar os olhos e relembrar, não era necessário correr o risco de se quebrar. Também existiam cartas, de pessoas tão queridas, espalhadas por aí. Nenhuma jamais ficaria dentro daquela grande mala para sempre, ao contrário; ali, estavam tão abafadas, quase impossível encontrá-las. As roupas, eram novas e poucas, não combinavam com aquela bagagem toda, eram leves, coloridas, largas, esvoaçantes... pareciam mesmo querer voar dali. E finalmente, havia dinheiro nessa mala; ficava sempre a mão e talvez por isso, nunca sobrava, cabia justinho na parte de cima, enquanto todo o tempo a figura cansada tentava arrastar sua mala e gastar esses recursos que estavam à mão tentando facilitar de alguma forma sua vida e aliviar o peso que a massacrava. De vez em quando a figura tentava deixar uma parte do conteúdo da mala em algum canto, mas sabe como é mala velha? Ficava um pouco torta, acabava não fechando o zíper e corria o risco de quebrar, então... lá ia ela, arrastando esse fardo para lá e para cá. De vez em quando tentava se iludir deixando tudo no guarda-volume de um aeroporto e se enfiando num avião com quase nada, mas a volta a trazia para o peso da realidade novamente. As semanas seguintes eram sempre as mais tristes.
É preciso coragem para um dia voltar e esquecer que deixou algo no guarda-volume, simplesmente passar reto. Não, é preciso desapego. Também não, desapego e coragem vem em primeiro lugar, num lugarzinho bem interno onde moram os desejos de liberdade. É preciso que "... a dor de não estar vivendo seja maior do que o medo da mudança...” (Freud)
Existem momentos na vida, que para que possamos nos encontrar novamente é necessário largar a bagagem e não olhar para trás, não por medo de querer resgatá-la, mas pela certeza absoluta de que nada ali serve mais!
Não existe dinheiro no mundo que pague uma vida de liberdade, não existe dinheiro no mundo que pague um caminhar pelas estradas da vida, sem uma mala pesada e desconfortável, somente aquela malinha, com rodinhas, que flui no seu ritmo, se abrindo e fechando na maior facilidade. Não existe dinheiro no mundo que pague o resgate de uma vida ou de um sonho. Aliás, eu menti. Existe sim, um dinheiro, não que compra, mas que recompensa... se ele fosse a meta, ele compraria qualquer coisa, mas sendo uma conseqüência, ele recompensa... recompensa a verdade, o prazer e a realização de tudo o que vem da alma. Pode não ser imediatamente... mas acontece!

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